O ano de 2020 foi bastante atípico: as fronteiras entre os países vizinhos estavam fechadas e passei enfurnada em casa por conta da pandemia de COVID-19. A vontade de me aventurar sobre duas rodas pelo Brasil se intensificou nos últimos meses e, como adoro desafios, escolhi viajar para a última cidade no extremo norte do país, atravessando o Amazonas, pela famosa BR-319, a lendária Rodovia Fantasma, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas.
E um dos desafios era justamente andar na temida BR-319 até por motociclistas experientes, principalmente em época de chuva, por formar muita lama e atoleiros. A escolha do mês de novembro foi intencional, porque é o início da temporada de chuva e um pouco de lama já é o suficiente para me divertir e levar alguns tombos sem muito sofrimento.
Escolhi a moto Honda Tornado XR 250, porque é leve e fácil de levantar se cair. Outra vantagem é que qualquer oficina consegue consertar possíveis problemas mecânicos e as peças podem ser encontradas sem complicações. Na verdade comprei essa moto para o off-road, mas aproveitei para usá-la nesta viagem: troquei o tanque por um maior, com capacidade de 12 litros, e a câmara dos pneus de 4 mm, tanto no dianteiro quanto no traseiro.
O banco e a suspensão rebaixados fizeram toda a diferença por eu ser muito baixinha!
Escolhi as bags impermeáveis da marca @override_advbags, por serem leves e práticas de instalar, e ótimas para offroad.
Como de costume, usei o Google Maps e o aplicativo Maps.Me para montar o roteiro, mas também acho imprescindível a utilização do mapa rodoviário para auxiliar no planejamento do trajeto.
De São Paulo a Chapadão do Sul
A primeira parte da aventura começou no dia 11 de novembro, saindo de São Paulo, às 5h30. Por eu estar descansada quis percorrer o máximo de quilometragem que conseguisse.
Fiz 900 km!
Peguei a Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), a Via Anhanguera (SP-330), a Rodovia Washington Luiz (SP-310) e a Rodovia Euclides da Cunha (SP-320) em direção ao noroeste. Optei por esse percurso por ser mais rápido, pois tem poucos pedágios pagos para motocicleta. Essa é uma dica interessante tanto para economizar um dinheiro com pedágio como para ganhar tempo com menos paradas.
É bastante frequente, nesta época do ano, encontrar lindas árvores na beira da estrada, as flamboyants. Tive a sorte de vê-las todas floridas! Toda vez que eu passava por uma delas, tinha vontade de parar para fotografar.
Depois de passar por Santa Fé do Sul, atravessei a ponte sobre o rio Paraná na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul. Minha intenção inicial era dormir em Cassilândia, mas como o dia ainda estava claro decidi esticar um pouquinho mais até Chapadão do Sul. Cheguei no momento em que o sol estava se pondo e fui recebida com um lindo visual de fim de dia.
Fiquei no Hotel Solar, que oferece uma hospedagem boa e simples, só para dormir por uma diária não tão cara.
De Chapadão do Sul à Chapada dos Guimarães
No caminho, observei que predominam plantações de grãos e de algodão, enquanto vez ou outra se avistam áreas de criação de gado.
E que coisa linda é a visão do horizonte!
Ferrovias acompanham a estrada em paralelo e, de longe, eu via trens de carga circulando, apitos soando. Parecia uma cena de filme de tão bonita!
E, apesar de na maior parte ser reta e monótona, a estrada me oferecia essas paisagens à medida que eu avançava nesse trecho. De repente, curvas e formações rochosas tiraram meu sono e quebraram a mesmice. Lá estava eu na região do Alto Araguaia.
Percebi também que é comum ver junto com a pista asfaltada, ao longo da rodovia, uma estrada de chão. Vira e mexe eu pegava essa estrada por diversão e para fugir do tédio.
Com a Tornado, é mais divertido andar na terra do que na rodovia pavimentada!
Consegui chegar à Chapada a tempo de realizar a troca de óleo do motor da Tornado e de ainda contemplar um lindo pôr do sol no Mirante Morro dos Ventos que fica a 3 km do centro da cidade.
Meu espírito aventureiro continuou firme e forte até a hora de dormir, no muito bem recomendado Camping Recanto dos Pássaros, onde fiz a estreia da barraca impermeável que comprei. Escolhi o modelo Mykra da Azteq Brasil, marca de acessórios para atividades ao ar livre. Essa barraca é leve e compacta, achei ideal para este tipo de viagem, pois o peso é decisivo na escolha da bagagem.
No dia seguinte, peguei dicas de três locais da Chapada que o guia turístico Javier (@javierguiadeturismo), que estava no camping, indicou para chegar de moto e que não precisam de longas caminhadas. Porque eu teria tempo apenas até meio-dia, minha intenção era pegar a estrada.
O QUE FIZ NA CHAPADA DOS GUIMARÃES?
Primeiro fui conferir a vista incrível do Mirante Alto do Céu. O local é o ponto mais alto da Chapada dos Guimarães, com 878m de altitude. Fica na Fazenda Alto do Céu, na Serra do Atmã, a 15 km da cidade, e custa R$20,00 para entrar de moto. O acesso é quase todo asfaltado, somente um pequeno trecho é de estrada de terra.
Fui também ao Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, principal ponto turístico da região e importante área de preservação ambiental. A entrada é gratuita. Para chegar ao mirante da Cachoeira Véu de Noiva, são 650m de caminhada íngreme e, por isso, troquei a bota de trilha pelo tênis para ficar confortável.
E não é à toa que essa queda d’água é uma atração super recomendada por viajantes, porque é um verdadeiro espetáculo da natureza!
Outra dica bacana é o Complexo Turístico da Salgadeira. Paguei R$10,00 para entrar. Daria para passar meio período por lá, porque o que não falta é opção de passeio: cachoeiras, trilhas, mirantes com vista dos paredões, restaurante, museu e um centro ambiental que mostra a história das Chapadas do Brasil. Se eu estivesse preparada, de biquíni, tomaria um banho de cachoeira para me refrescar do calor típico dessa região.
De Chapada dos Guimarães a Cáceres
Passei por Cuiabá/MT apenas para abastecer e escolhi pernoitar em Cáceres, na região do Pantanal Matogrossense, num total de 283 km. Já estava escurecendo e começou a chover quando cheguei. Vi muitos hotéis ao longo da rodovia, logo na entrada da cidade. Eu, bastante cansada, decidi ficar em um destes, no Hotel Aki.
Na manhã seguinte, antes de deixar a cidade, a programação foi uma volta no centro.
Adorei!
Andei pela Orla Cacerense e conversei com moradores locais. A bela paisagem é composta por barcos atracados às margens do Rio Paraguai e por construções do século XVIII que, em conjunto, foram tombados como patrimônio histórico, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Um dos maiores atrativos da cidade é a pesca. Desde 1980, o Festival Internacional de Pesca (FIPe) celebra a pescaria como tradição cacerense e chama a atenção para a necessidade de preservação do Rio Paraguai e de seus afluentes.
Outro passeio interessante é a Dolina Água Milagrosa que fica a 25 km de Cáceres, considerado um dos melhores pontos de mergulho do Mato Grosso. É um lago que adquire coloração esverdeada no período de chuvas e azulada na época de seca. Dizem que suas águas têm propriedades medicinais.
Gostaria de ter ficado um dia inteiro nesta cidade para passear pela redondeza, visitar o lago e para pescar, minha outra paixão além da moto.
Seguindo a viagem, em uma parte da estrada próximo de Cáceres, a paisagem é característica de pantanal: planícies alagadas que abrigam plantas típicas do cerrado, inclusive uma grande variedade de espécies aquáticas.
Ah, falando em estrada, no estado do Mato Grosso, vi placas que indicavam a distância até o posto de gasolina mais próximo. Na minha opinião, é muito bacana este tipo de sinalização e eu acho que deveria existir no Brasil inteiro, porque assim dá para saber se já vou precisar abastecer o tanque ou se o combustível vai ser suficiente para rodar até o posto seguinte.
Toda viagem surpreende!
Em relação ao clima, de certa forma, eu tive muita sorte, porque em nenhum momento senti um calor exagerado. Teve até um longo trecho onde peguei uma chuva leve e refrescante. E nas cidades onde pernoitei as pessoas foram muito educadas e vinham conversar comigo, porque ficavam curiosas por ver uma mulher sozinha viajando de moto, carregada de malas.
De Cáceres a Cacoal
De Cáceres/MT, rodei 764 km até Cacoal, em Rondônia.
A estrada (BR-174 e BR-364) é boa, toda asfaltada, porém, há muitos caminhões. Pelo que observei, a atividade pecuária predomina nos arredores da rodovia e a cidade em si é bonita, aparentemente próspera e desenvolvida.
Me hospedei na casa de conhecidos, aí aproveitei para lavar roupas. Tive uma noite agradável, completamente diferente das que passei nos últimos meses. Fui recebida com um delicioso churrasco e logo contei sobre a minha viagem, que os deixou curiosos em saber mais sobre toda essa aventura pelo Brasil.
De Cacoal a Porto Velho
Já próximo de Porto Velho/RO, notei que as cidades não são tão conservadas e organizadas como as anteriores. A estrada até lá era boa, havia pequenos trechos com buracos.
Fiquei 3 diárias no Hotel Nativo, indicado pela agência de mototurismo Tagino Adventure Tour, responsável por organizar a viagem pela rodovia BR-319. A ideia era me unir a este grupo de motociclistas loucos pela lama e para acampar pela estrada.
Acabei chegando antes do que o previsto e foi ótimo porque tive dois dias para descansar e, é claro, para fazer turismo.
O QUE FIZ EM PORTO VELHO?
O Espaço Alternativo tem uma área para fazer caminhada e exercícios físicos, e uma impressionante passarela que vale o registro em foto. O parque fica na avenida que leva ao aeroporto.
Passei por um significativo patrimônio histórico e cultural, as “Três Marias”. Na verdade são três caixas d’água, instaladas em 1910 e 1912, que foram utilizadas para as obras de construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e para abastecer a população da cidade até 1950.
Aproveitei para conhecer o Mercado Municipal da cidade. Adoro caminhar em meio às frutas e legumes coloridos, e saborear seus aromas.
Fui conferir e fotografar a linda vista do terminal hidroviário Porto Cai N’Água, no Rio Madeira. De lá, partem barcos que fazem um tour pelo rio e é um importante meio de transporte até a capital amazonense.
Na sequência, visitei o Memorial Rondon, inaugurado em 2013. É muito interessante, porque conta toda a história da expedição liderada pelo marechal Cândido Rondon.
Junto com o museu, há a Igreja de Santo Antônio, local que em épocas passadas foi Vila de Santo Antônio e pertenceu ao território mato-grossense.
Ainda neste complexo turístico, logo na entrada, está a grade de cadeados, onde casais fazem votos de amor, inspirada na Pont des Arts em Paris, na França.
O local conta também com o monumento do antigo marco divisório entre os estados do Amazonas e do Mato Grosso, a réplica de uma estação telegráfica e uma oca que simboliza a presença de povoados indígenas.
Um fato curioso é que o poeta Mário de Andrade realizou uma viagem pelos rios Madeira e Amazonas em 1927, e registrou seus relatos no livro O Turista Aprendiz, a primeira obra sobre turismo publicada no Brasil.
No dia seguinte, levei a Tornado para mais uma troca de óleo, lavar o filtro de ar e trocar por pneus off-road, emprestados pela Tagino Adventure Tour. Depois, nosso grupo foi almoçar no restaurante Casa do Tambaqui. Recomendo!
O tempo que passei em Porto Velho foi importante para o descanso merecido. Agradeço pelas energias recarregadas com sucesso para encarar a temida BR-319.
E a aventura continua, Uiramutã na proa!